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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Lindbergh narra seu primeiro voo de guerra

Charles Augustus Lindbergh realizou, em 1927, a primeira travessia solitária do Oceano Atlântico, tornando-se, desde então, um herói nacional.  Todavia, no final da década de 1930 e começo da década de 1940, foi acusado de ser simpatizante do regime nazista. Visitou a Alemanha algumas vezes e chegou a ser condecorado por Hermann Goering.
Quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 1939, Lindbergh tinha se tornado um ativista social, e defendia o isolacionismo e a neutralidade dos Estados Unidos na Guerra. Todavia, em 7 de dezembro de 1941, os japoneses atacaram Pearl Harbor, e os Estados Unidos declararam guerra ao Eixo.

Lindbergh imediatamente solicitou seu recomissionamento no U.S. Army Air Corps, mas, por ordens diretas do Secretário da Guerra, Henry Stimson, e da Casa Branca, seus serviços foram simplesmente recusados. Lindbergh, então, se ofereceu como consultor para a indústria aeronáutica, entre as quais a Vought. Em 1944, foi para o Teatro de Operações do Pacífico, como civil, onde atuou como representante técnico da Vought, demonstrando aos pilotos várias técnicas, como decolar com o dobro da carga de bombas até então levada nas missões. Durante essa missão, realizou sua primeira missão de combate, a bordo de um Vought F-4U Corsair da VMF-222, do Corpo de Fuzileiros Navais (Marines). É o próprio Charles Lindbergh quem narra, a seguir, sua primeira missão de guerra:

"Com as armas carregadas e os anéis de mira brilhando ao sol, nossos quatro Corsairs pairam como falcões por sobre a região em poder do inimigo. Embaixo ficam os montes cobertos de florestas da Nova Irlanda; adiante, os vulcões violáceos de Rabaul. Alhures, nossos olhos esbarram com uma confusão de de nuvens, céu e água azul do Pacífico. Estamos voando a 2400 metros de altura. Nossos aviões têm sua base num campo de pouso aberto numa região coralina das Ilhas Verdes - 640 quilômetros a leste da Nova Guiné, quatro graus ao sul do Equador.
São 22 de maio de 1944. É a minha primeira missão de combate. Meus sentidos estão livre das calosidades produzidas pela rotina cotidiana. Esta manhã eles despertaram gritando que eu ia partir para matar e correr o risco de morrer; que, à semelhança do homens das eras primitivas, seria ao mesmo tempo caçador e presa. Dentro de mim, a percepção civilizada e o institnto barbárico misturavam-se formando uma liga ainda não experimentada. Desde a alvorada, todas as coisas que me cercavam - o ar que respirava, o chão que pisava, as próprias árvores da selva - adquiriram  qualidades novas de beleza e de perigo.
Lá estava a graciosa curva da asa do meu avião de combate, quando subi para bordo antes de decolar, atestando a divina faculdade criadora do homem. Havia o volume incômodo da minha pistola a comprimir-me o peito e a lembrar-me o nosso poder destruidor. As copas aglomeradas dos coqueiros desfilavam para trás enquanto meu trem de pouso recolhia e a minha velocidade aumentava. A força de 2000 cavalos impelia-me em direção ao céu, para o reino sobre-humano da aviação, até que uma voz em meu receptor gritou: 'preparem suas armas!'
Agora nossos quatro aparelhos voam bem afastados uns dos outros, em formação de combate. Ao pé daqueles montes lá embaixo, escondidos no tapete de folhas e ramos de espessa floresta, estão nossos inimigos, homens de língua e idéias diferentes, mas dotados de corpo e cérebro semelhantes aos nossos. Sabemos que seus binóculos estão dirigidos para nós, que suas baterias carregadas nos antecederão em nossa corrida. A qualquer momento negras rajadas podem romper esta atmosfera clara como cristal. Estamos como os animais naquela floresta - prontos para saltar sobre nossa presa; alerta para que não saltem sobre nós. Desvaneceu-se repentinamente o encanto do voo. Vejo com olhos condicionados à guerra - voamos em aeroplanos de aspecto malvado, tripulados por pilotos desumanos, feitos para matar, adestrados para matar, ávidos de matar.

A 3000 metros inclinamos nossas asas e circunvoamos a cidade de Rabaul, esburacada pelas bombas. Seu porto está atravancado de navios afundados - monumentos a bombardeios anteriores. Uma única rajada de fogo antiaéreo, alta e disparada a esmo, anuncia a nossa chegada.
Os bombardeiros pesados B-25 do Exército enxameiam no céu acima de nós. Estão chegando do oeste aviões torpedeiros da marinha. Bando de P-40 de combate voam alto, em cobertura. Começou o ataque. A muito menor altura, os monomotores de caça Airacobras mergulham sobre os seus alvos. Nuvens negras de fogo antiaéreo pontilham o ar.

O rádio só faz tagarelar: foi assinalada no mar uma balsa salva-vidas e está chegando um hidroavião para socorrer o homem abatido. Viramos para o sul. Colunas de fumaça e chamas produzidas por grupos de bombas incendiárias de magnésio sobem como cogumelos... um depósito de combustível inimigo. O rádio anuncia um avião de combate inimigo. Mergulhamos. É apenas um P-39 desgarrado da esquadrilha, receoso que o tomemos por um Zero.

Desapareceram os B-25. Vejo os aviões torpedeiros se reagrupando ao largo do mar. Um traço de fumo assinala um que foi atingido.
Terminou o bombardeio, os céus de Rabaul estão desertos. No solo arde uma dúzia de fogueiras. Como nossas caixas de munição ainda estão cheias, temos alvos a bombardear antes de voltarmos à nossa base.
Duque de York é uma ilha situada no canal entre a Nova Bretanha e a Nova Irlanda. Nela foi construído um campo de pouso japonês. Nas proximidades da base há diversas aldeolas onde, segundo diz o nosso serviço de informações, se achama aquarteladas tropas inimigas. Aviões de patrulhamento receberam instruções no sentido de bombardearem impiedosamente aldeias e se guardarem das armas de terra. Que é feito dos nativos? 'Há muito se refugiaram nas montanhas.'

Baixamos sobre as palmeiras e subimos 150 metros para iniciarmos as nossas incursões. Vejo uma fileira de cabanas no meu aparelho de pontaria e despejo fogo de enfiada através delas, enquanto ergo o nariz do avião... poeira que levanta... fragmentos saltando... projéteis incendiários ricocheteando em todas as direções... cuidado com as palmeiras... horizontalizar... voar rasante para que as baterias inimigas não possam seguir-nos.

Desfazemos a formação. Agora cada aparelho está por conta própria. Viro para a costa. Encarapitada num rochedo há uma construção com paredes de colmo; ao lado dela, barris de aço. Deixo minhas balas cortarem o ar até que chego a uns 100 metros de distância... inclino para a esquerda... outra fileira de cabanas... uma breve rajada... circular para voltar à base.

Ganho altura para localizar minha posição... mergulhar para evitar as metralhadoras inimigas... centralizar um edifício na alça de mira... apertar o gatilho... não!... um campanário!... uma igreja... suspender fogo... puxar o manche... Os Corsairs, caças monomotores da Marinha Americana, estão se reunindo ao largo do mar. Junto-me a eles e empreendemos o regresso à base. Minhas rodas tocam no chão às 12 horas e 30 minutos; a missão durou três horas e 40 mintos.

A fúria estrepitosa da nossa guerra é substituída pelo silêncio tropical, úmido e opressivo. Lambuzo o pescoço com um insetífugo e sento-me nuam caixa de granadas, Não consigo esquecer aquela igreja. Campanários não combinam com alças de mira. A idéia de Deus é antagônica à idéia da guerra.
- Hoje quase fiz fogo contra um igreja - disse eu a um jovem capitão dos fuzileiros. - Reconheci-a em tempo.

- Oh! Refere-se àquela igrejinha da Ilha Duque de York? - disse ele, rindo. - Nós a bombardeamos em todas as missões. Os nipônicos usavam-na como quartel.
Presumo que nossos inimigos dizem o mesmo sobre as igrejas que destroem. Ambas as partes encontram desculpas para fazer tudo o que querem em guerra, e é sempre 'o outro' quem pratica a primeira atrocidade. Se Deus tem sobre o homem o poder alegado por seus Discípulos, por que permite a guerra? Como pode alguém voltar da guerra e crer que um Deus todo-poderoso deseja 'paz na terra e boa vontade entre os homens?' Somos tentados a por em dúvida a extensão do poder divino. Somos tentados a duvidar da própria existência de Deus.

A brisa agita as folhas das palmeiras. As ondas do Pacífico quebram-se mansamente na praia. Meus pensamentos dão meia volta ao mundo, transportando-me até o meu lar. Acho difícil situar-me no espaço e no tempo. Minha família está quase de cabeça para baixo, em relação a mim, e para ela aproxima-se o dia em vez da noite. Meu lar não está na direção que meu braço apontaria, para as bandas de nordeste; está realmente debaixo dos meus pés. Imagino-me a olhar através da terra para as solas dos sapatos dos meus filhos.
Mas esse solo úmido que meus pés estão pisando não está, para o meu senso infantil, embaixo de mim; é uma parede vertical de terra, girando a mais de 1600 quilômetros por hora. Somente uma força misteriosa, chamada gravidade, me dá a sensação de estabilidade e me impede de ser precipitado no espaço. Precipitar-me no espaço... em direção a que estrela? Onde é para cima, ou para baixo, na vastidão dos céus?

O alto para meus filhos e o alto para mim são agora direções opostas. Não existe um plano universal que se possa tomar com termo de referência; planetas rodopiando em torno de bolas de fogo, sóis precipitando-se com velocidades celestes... Precipitando-se para onde? Continuarão assim para sempre? Seguirão alguma prodigiosa órbita própria? Como pode ser infinito o Universo? Mas o que poderia haver além do seu fim?
Perscruto os ínvios espaços onde a luz, saltando para a Lua enquanto um homem dá um passo, viaja durante bilhões de anos entre galáxias de estrelas, onde toda a duração da vida na Terra nada mais é que um momento do tempo celeste; onde há calor para vaporizar o carbono, frio para liquefazer o ar, o nada imensurável, a substância da qual proveio o mundo e o homem também. Como foi criado este Universo? O que fez as leis que o regem - a perfeição matemática, a complexidade das minúcias, a simplicidade do plano, a importância de um mero átomo, a trivialidade de um milheiro de estrelas?

São os homens também rigorosamente limitados de compreensão, como os insetos que rastejam e zumbem à minha volta? Amplia-se sempre a inteligência, como o espaço, enquanto a vida se desenvolve em formas cada vez mais elevadas? E se existe uma escala graduada de conhecimento, que marca alcançaram os seres humanos? Em grandeza mental e física, corresponderia a diferença entre o inseto e o homem à diferença entre o homem e Deus? Talvez Deus não possa ser avaliado com medidas terrenas; talvez Ele prefira não ter forma nem tangibilidade.

Mas o poder e o plano aí estão, manifestos na órbitas dos céus, na gravitação terrestre, na existência do olho e do espírito humanos.

Um motor tosse e ronca. Levanto-me da caixa de granadas e me dirigo para a minha barraca. Onde, na vida, no espaço e na matéria, haverá lugar para a guerra? Como justificar uma igreja numa alça de mira? É a luta uma parte essencial do plano universal? Ou encontrará o homem, evolvendo, um caminho que conuza à paz mundial?"

Fonte: publicado originalmente e na íntegra no The Saturday Evening Post; condensado e publicado por Seleções do Reader's Digest em 1962.

A tela na primeira figura, com os Corsairs voando sobre Rabaul, é de Steve Heyenart.


Um comentário:

  1. "Como justificar uma igreja numa alça de mira?" É uma grande frase. Desconhecia essa faceta de Mr. Lindbergh, o poeta. Que ele tinha cojones, nós sabíamos... a sensibilidade é uma novidade.

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